«Nós temos medo de experimentar. Porque temos medo do que irão dizer de nós. Partimos sempre do princípio de que o que vão dizer é negativo, desvalorizante. Dificilmente alguém dirá: "Que bom o que tu fizeste. Estou muito contente." Não. Vão-nos decerto criticar. Isso cria logo um medo que nos paralisa. Faz com que tenhamos prudência. Bom senso.»Quanto aos "media":
«Movem-se em circuito fechado. Têm uma acção de absorção. Só se existe se se aparecer na televisão. Mas estar e aparecer na televisão não é a mesma coisa do que viver a vida, na materialidade das ruas e do tempo.»E o significado de "não inscrição":
«Significa que os acontecimentos não influenciam a nossa vida, é como se não acontecessem. Por exemplo, quando uma pessoa ama, esse sentimento não afecta a outra pessoa, objecto do amor. Quando acabamos de ver um espectáculo, não falamos sobre ele. Quando muito, dizemos que gostámos ou não gostámos, mais nada. Não tem nenhum efeito nas nossas vidas, não se inscreve nelas, não as transforma. Ainda outro exemplo: o primeiro-ministro, Santana Lopes, classificou a dissolução da Assembleia da República pelo Presidente como "enigmática". Não disse que era incorrecta ou injusta, mas "enigmática", o que é a forma mais eficaz de a transformar em não-acontecimento.»Concordo com estas afirmações. É talvez um outro modo de significar o "desaparecimento dos valores" ou das "ideologias" que movimentavam as pessoas. Também constato que não se conversa muito sobre as obras de arte ou espectáculos, mesmo quando são usufruidos. Recordo-me de filmes como "Os Pássaros" (de 1963) ou "A primeira Noite" (de 1967) terem dado grandes debates nos dias seguintes, à mesa do café. Hoje isso é impensável: ficamos pelo "gostei", "não gostei", "não é mau..." - uma espécie de discurso "politicamente correcto" para as relações inter-pessoais. Querer ir um pouco mais além na leitura ou no retirar de consequências fica assim um bocadinho... ridículo... démodé.
«Este doloroso retrato do país é habitual; partilham-no elites e povo; mas é exagerado, como o próprio dá a entender. (...) O retrato demolidor que Gil traça da sociedade portuguesa não se limita aos políticos e aos "media", abarcando também a administração, os meios e criadores culturais, o povo em geral e a Crítica, que não sai do "fundo dos espíritos" para iluminar os seus leitores e receia colocar-se, como deveria, entre a obra e o público.»E:
«Apesar de terminado [o livro] já em plena governação de "descaramento político" de Santana Lopes, não há razão para José Gil ignorar que José Sócrates é gémeo de Santana Lopes na sua ontologia mediática e na inclusão no "sistema".»E ainda:
«Mas José Gil não está apenas, como analista, fora deste retrato. O seu pessimismo histórico põe-no dentro e é, também ele, uma forma do "medo de existir" e de justificação da inacção. É o intelectual como observador não-participante e, já agora, como telespectador - impressionado, impressionista e impressionante.»