Economia


Reciclando velhas histórias

Isto aqui foi publicado em julho de 2002, no e-zine (o falecido e-zine) 700km, do Claumann. Vou mudar apenas os links que não existem mais.

::: G a r r a f i n h a s . a o . M a r [700km, #78, 22 de julho de 2002]

MONOPÓLIO DA VIOLÊNCIA, HISTÓRIA NAVAL E SHARON STONE
Cláudio D. Shikida

Segunda-feira estava cansado e decidi sair do meu cubículo, na biblioteca, e pegar o What Prices Fame do Tyler Cowen. Há dois anos eu queria ler este livro. Bem, desci ao terceiro andar e saí do elevador quando, como sempre, olhei para os lados. Não, nada da Sharon Stone estar na seção de "Guerra" da biblioteca. Era o "Navies and Nations - warships, navies and state building in Europe and America, 1500-1860" de um professor sueco - descobri o gênero lendo os agradecimentos. Primeira lição: sempre olhe pros lados na biblioteca. Segunda lição: leia sempre os agradecimentos.

Olhei para os dois volumes azuis, com cara de edição barata, da universidade, e eles olharam para mim. Era minha chance: menage-a-trois sueco! Não tive dúvidas e, para meu azar, comecei a folhear o índice. Comecei a gostar. Lentamente eu folheava, lentamente crescia meu interesse pelos dois volumes. Acelerei a passagem de páginas para ver se tinha tabelas (lembre-se o leitor da minha tara com números e tabelas). Várias. Comecei a achar que estava no meu dia de sorte. Antes que o leitor pense que estou insinuando o ato sexual neste parágrafo, eu vou dizer: estou sim. Terceira lição: um cara que pega um livro destes na estante só pode estar pensando em bobagem.

Mas o que é bacana neste livro é que ele me permite desbancar mais um mito que as pessoas têm na cabeça. Todo mundo acha que a Marinha é algo que só pode ser fornecido pelo Estado, pois - aí vamos nós com a teoria econômica de novo - a "defesa" é um bem indivisível. O quê? Que é isso? Bem, eu já expliquei, numa das garrafinhas anteriores o que é um bem público.

Uma das características é que não dá para diferenciar o quanto cada um consome de bem público. O exemplo de sala de aula para o aluno inteligente é: "Meu filho, imagine! Não dá pra dizer quanto você consome de defesa nacional. Não dá, assim, para diferenciar seu consumo de defesa nacional do meu! Viu? Tem que ser fornecido, não terá um empresário que poderá identificar o quanto você e eu queremos consumir deste bem. Conclusão: tem de ter o Estado fornecendo estes bens".

O exemplo está correto. Contudo, a evidência histórica mostra que não é bem assim. O Estado surge quando um grupo de interesses consegue se impor como monopolizador do uso da coerção (ou da violência). Esta é a tese de Douglass North, Mancur Olson e, de certa forma, também de Yoram Barzel, economistas bem interessantes de se ler. Lição número quatro: vale a pena pedir pro meu pai continuar pagando meu curso de inglês. E não é só pelas garotas!

Para mostrar a você, leitor, porque a história não corrobora esta teoria, vale a citação direta do texto, em inglês, disponível no link abaixo:

http://www.700km.com.br/citacao.html [na época, Claumann, nosso editor, fez esta página porque não chegamos num consenso sobre se eu deveria ou não traduzir o trecho. Não sei se ainda existe o link. Nota de 03.05.2004]

Para quem não lê em inglês, eu resumo: antes do Estado moderno existiam maneiras privadas de se defender de ataques marítimos. Era possível identificar os consumidores e cada um pagava pela segurança privada. A invasão citada é similar à revolução da pólvora que Glete cita em outra parte de seu texto e que permitiu maior poder de fogo para os navios. Em ambos os casos, as vítimas passam a ser resultados de uma ação mais aleatória: nenhum bombardeio será preciso e nem a força invasora vai bater de porta em porta para saber se o morador pagou pela defesa privada ou não.

Estas mudanças facilitaram a vida de alguns nobres que queriam se impor aos seus pares e que visavam o poder sobre toda a região. Facilitou-lhes a monopolização do uso da violência. Lição número cinco: Cara, não basta acreditar, tem de duvidar. E, não basta duvidar, tem de pesquisar. Lição número seis: tecnologia é perigosa também.

Viu só leitor(a)? E aí você vai me perguntar: Por que os economistas deixaram isso de lado por tanto tempo? Bem, a teoria econômica passou muito tempo respondendo às demandas da sociedade. Quando havia ciclos econômicos, alguns procuraram mostrar que planejar era bom. Quando havia inflação, alguns quiseram ver como acabar com a inflação. Por fora, alguns malucos continuavam seus trabalhos (se alguém pagasse por isso, ok) em outras áreas. Quando a teoria precisou dos dados, inventaram a econometria. Quando a história econômica precisou dos dados, veio a cliometria. Quando alguém viu que precisava explicar as instituições sobre as quais o mercado funciona, viemos nós. Digo, os caras que eu citei.

E eu estou aqui, pacífico e sereno, estudando a Economia do Conflito e da Violência, simplesmente porque um dia, impressionei-me e gostei de um livro chamado "The Machinery of Freedom", do filho do Milton Friedman, o David Friedman. O ponto que não consegui aceitar no livro - e que quero estudar muito ainda - era como um sistema privado de leis poderia existir (sim, a Islândia do colunista Blanc aqui do 700km). Anarquia, sistema privado de leis e violência. Moral da história (e lição número sete): Não foi à toa que olhei para o lado segunda-feira.

Ah, claro, a Sharon Stone foi só para chamar a sua atenção... :-)

Uma página preliminar sobre o assunto:
http://www.geocities.com/microeconomia.geo/Dark_Side_of_Economics.html



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