Economia


Mais vozes discordantes sobre o acordo PT-PCC

Reinaldo Azevedo merecia mesmo estar na ABL. Não por indicação política, mas por competência. O texto poderia se chamar "Desconstruindo Genoíno" ou "Encaixotando o humanismo", mas o título está ótimo.

Parabéns, Reinaldo.

Primeira Leitura : entenda : Crônica da vida quase privada ou por que quero destruir a China

Trecho (muito bom): Não gostamos do presidente americano porque ele não respeita a autodeterminação dos povos, certo? Mas o que faz o PC chinês no Tibete ou, pior ainda, o que faz o PC chinês dentro da própria China? Não gostamos de Bush porque acreditamos que ele ajuda os americanos a fritar o seu hambúrguer com o sangue dos companheiros do Terceiro Mundo. Mas o que faz o PC chinês, que mantém 80% do seu próprio povo debaixo do chicote, enquanto permite que 20% executem a boa e sobretudo velha exploração capitalista em moldes anteriores a todo e qualquer avanço propiciado no Ocidente pelo próprio capital? Não gostamos de Bush porque entendemos que sua política mata criancinhas de inanição nos países periféricos (nota: quem mata as criancinhas são as elites da periferia; Bush não tem nada com isso). Mas qual é a política de saúde e de assistência à infância e à gestante do PC chinês? Não gostamos de Bush porque achamos que ele não respeita o meio ambiente. Mas e a agressão à natureza praticada pela China, um dos campeões mundiais de emissão de poluentes que, no Ocidente, há muito foram postos sob controle?

A botocúndia logo vai meter uma chancela neste texto: “Coisa de direita!”. Ai, ai... Direitistas de verdade, a direita econômica — que é a que conta, afinal — vêem a China com olhos de admiração irrestrita. E também os esquerdistas. Os primeiros certamente ficam fascinados com um país que parece viver os primeiros dias da revolução industrial, no que respeita aos direitos dos trabalhadores e às noções de cidadania — só que agora sob o porrete do produtivismo e da técnica. Uma legião de centenas de milhões de escravos amarelos produz para a grandeza da “nação”, do “partido” e do “comunismo” (rá, rá, rá), alheios a qualquer noção (que antropólogos de meia-tigela logo chamariam de meramente “ocidentais”) de direitos humanos, de direitos civis, de direitos políticos, de liberdade de expressão e de associação, essas coisas todas que levamos alguns séculos para construir aqui no Ocidente.

A esquerda, ou parte dela, se regozija com o fato de que o “modelo” já teria tirado, nas duas últimas décadas, quase 300 milhões de pessoas da miséria, fazendo-as participar do mercado consumidor. Esse mesmo amigo a que me referi, num debate na televisão com um petista que cantava as glórias da Fazendola de Mao, teve de lembrar ao interlocutor a realidade que parecia detalhe irrelevante: “Mas a China é uma ditadura!”. O outro espantou-se.

Das duas leituras, a da esquerda me fascina mais porque traz aquele apelo humanista a que poucos podemos resistir. E compõe o cerne, mesmo, da razão que explica que se possa detestar tanto uma democracia, como a americana, e se possa ser indiferente a uma ditadura que vitima um quarto da população do mundo, ou, pior, ser seu admirador explícito. Confesso aqui que entendo (mas não aprovo) a alma suja de certos liberais que dão de ombros para o que quer que os comunistas façam com seus escravos.

Essa gente quer grana, produtividade, fazer negócios. A melhor contribuição que podem dar aos direitos humanos é erguer empresas, gerar empregos. São incapazes de produzir um discurso ideológico razoável porque não esperam nada dos homens. São pessimistas contumazes sem nem mesmo sabê-lo. Não custa lembrar que as bases das liberdades individuais e dos valores democráticos foram fundadas quando empresário “empresariava” e político “politicava”. Churchill não devia saber apertar um parafuso. Felizmente!

Já as justificativas da esquerda clamam aos céus por sua hipocrisia. É como se dissessem que o inferno existe para que se possa construir o paraíso; que o mais bem-acabado totalitarismo jamais havido na história é o preço que se paga pela libertação. A direita econômica, se vê a China na esbórnia, dança e brinda em ambiente de lupanar. Já a esquerda transforma a maior ditadura que a humanidade já construiu numa teologia, num culto.



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