Economia


AINDA A MELHOR AULA, OU: A QUESTÃO DO MÉTODO

11/03/2004


Um leitor do artigo “Uma das melhores aulas!” escreveu dizendo-me que o artigo era “fraco” e me sugeriu a leitura de textos sobre metodologia argumentativa. Respondi-lhe dizendo que o propósito do texto não era tecer uma análise científica do tema, mas de apenas discutir a questão da metodologia da ciência econômica. De fato, constatei a partir de seu e-mail que ele não compreendeu a proposta do artigo, e para não deixa-lo desamparado, explicito-a, pois, aqui.

A economia é a ciência que estuda a ação humana ao longo do tempo sob condições de incerteza. A praxeologia (ciência da ação humana), conforme demonstra Mises (1), apenas reconhece que o homem age e age invariavelmente no intuito de sair de um estado menos satisfatório para um estado mais satisfatório. Essa categoria da ação é um dado irrefutável. Não cabe a economia querer saber, por exemplo, os motivos da ação, ela apenas reconhece que o homem age. Assim, a ciência econômica deve considerar em primeiro lugar o homem (e não agregados econômicos) e a partir disso, a praxeologia é uma condição que se impõe.

Este princípio se apresenta evidente. As ciência humanas (História, Economia, Sociologia...) deixaram-se seduzir pela revolução científica moderna, onde o pensamento matemático assumiu foros de implacabilidade em todos os ramos das ciências. O que é falso. O avanço da física neste contexto abarcou em grande parte os estudos das ciências humanas, derivando daí a possibilidade (e até a validade) de utilizar os métodos das ciências exatas (por meio de laboratórios e experimentos) nas ciências humanas.

A diferença metodológica essencial que queremos ressaltar é que a economia é uma ciência em que os pressupostos estão dados a priori, já a física e a matemática, por exemplo, os dados são dados a posteriori, após os testes de laboratórios e das conclusões dos experimentos.

É simples diferenciar isso. Se o governo decide lançar no mercado mais moeda-papel, sabemos a priori os efeitos gerais dessa medida. Quer dizer que não precisamos recorrer a laboratórios para testar o que pode acontecer. Sabe-se que um aumento da renda e uma pressão inflacionária são efeitos diretos dessa expansão monetária. E o contrário também é verdadeiro.

Infelizmente as ciências humanas deixaram-se influenciar pelo advento da ciência moderna que remonta Descartes. O método cartesiano que matematiza tudo, prevê que só a partir da matematização dos objetos se alcança a verdade(2). Os “modelos” econômicos criados pelos economistas são efeitos dessa concepção do saber. Para as ciências humanas o uso desse método leva a conclusões equivocadas e a estados reais catastróficos, se aplicadas.

Se levado as suas últimas conseqüências lógicas, conclui-se que o homem seria capaz de construir uma sociedade ideal. Conforme escreveu Hayek, dessa concepção originou-se o construtivismo(3). O construtivismo significa que determinada pessoa (o governo no caso) é capaz de conduzir a sociedade e a economia para alcançar seu melhor resultado. Como? Justamente através do planejamento calculado.

Esse laboratório foi construído ao longo do século XX. Keynes e a idéia do Estado regulador e equilibrador da atividade econômica nada mais são do que o poder dos técnicos do governo atuando sobre as forças da sociedade. O socialismo, derivado das idéias marxistas, nada mais foi do que a expressão prática do grande laboratório social onde tudo era feito a partir dos ditames dos engenheiros sociais que se julgavam ser os iluminados escolhidos para construir a sociedade ideal.

As drásticas conseqüências da infiltração do método das ciências exatas nas ciências humanas (na economia em especial), a evidência histórica registra para além de qualquer dúvida. Do keynesianismo triunfante no século XX restou um imenso déficit nas contas públicas, que resultou em pesados encargos sobre a sociedade a tal ponto que a exploração tributária se tornou hoje um dos pontos fundamentais que explicam a perpetuação do atraso e do subdesenvolvimento de muitos países, em especial do Brasil. Das idéias keynesianas e derivadas resultou também um gigantismo estatal sem precedentes na história da humanidade. O Estado se tornou na medida proporcional do seu tamanho, uma verdadeira máquina de corrupção e oportunismo político que tem gerado uma crescente classe de parasitas que vivem as custas do suor e trabalho de quem se atreve a viver na iniciativa privada (4).

Já do socialismo as conseqüências foram terrivelmente mais cruéis. Neste caso, os engenheiros da alma humana absolutizaram o poder sobre a sociedade. A despeito dos belos ideais que motivaram os partidários do regime, alguns estudiosos do socialismo(5) dão conta de que o regime foi responsável por mais de cem milhões de vítimas; elevadíssima expansão da fome e da miséria bem como da redução da vida humana em meros objetos escravizados do sistema.

Diante do exposto, fica evidente os perigos que o método da ciência exata representa ao estudo das ciências humanas, em especial destaca-se, à economia política.



(1) AÇÃO HUMANA – Um tratado de Economia. Ludwig von Mises. Instituto Liberal.

(2) Discurso do Método e Regras para Direção do Espírito. René Descartes. Martin Claret.

(3) Economia e Liberdade – A Escola Austríaca e a Economia Brasileira. Ubiratan Iorio. Forense Universitária.

(4) Sobre as conseqüências do keynesianismo e do intervencinismo ver:
- A Pobreza das Teorias Desenvolvimentistas. Deepak Lal. Instituto Liberal.
- Uma Crítica ao Intervencionismo. Ludwig von Mises. Instituto Liberal.
- O Keynesianismo e a Ideologia Triunfante de Nosso Tempo. Alceu Garcia em www.olavodecarvalho.org

(5) O Livro Negro do Comunismo. Crimes, terror e repressão, Stéphane Courtois et all. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 1999, 917 págs.



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