Economia


Resposta ao Richard

Reporto-me a réplica ao meu artigo sobre a teoria da pobreza do Hoppe feita pelo Richard Sylvestre, proprietário de uma capacidade de análise invejável, bem como, do recomendadíssimo blog Depósito de Idéias. Antes de iniciar minha resposta ao Richard, porém, quero agradecer-lhe pela atenção dispensada ao meu texto, bem como, torno público que ao longo dos últimos tempos tenho tido o privilégio de trocar idéias com ele, o que tem sido de grande proveito para mim. O Richard é um economista jovem como eu, mas muito mais inteligente, pois, entre outras realizações, é capaz de unir o apreço pela análise hard da teoria econômica neoclássica com um profundo conhecimento da economia de Mises e seus discípulos. Então, vamos à discussão.

I

Primeiro, exponho resumidamente o meu argumento que é o seguinte: Hoppe considera que a alta taxa de preferência temporal das pessoas é a “causa comum” de sua pobreza e miséria. Eu, porém, questiono em que medida o meio em que a pessoa nasce não resulta por influenciar na formação da sua preferência temporal. Ou seja: em que medida a pobreza e as situações de destituição material e familiar que uma pessoa nasce não influenciam a formação da sua preferência temporal? Como deixei claro, não levanto objeção quanto à idéia de que pessoas pobres tenham - tudo o mais permanecendo constante - uma alta taxa de preferência temporal (orientação ao presente), enquanto que pessoas ricas tenham uma baixa preferência temporal (orientação futura). Então, vamos aos pontos levantados pelo Richard.

II

O núcleo da argumentação do Richard consistiu em dois pontos, nos quais o primeiro reitera a relação hoppeana entre preferência temporal e condição do agente, da seguinte forma:


Mais especificamente sobre a teoria do Hoppe, não há erro na relação de causalidade entre baixa preferência temporal e riqueza. Seja lá o porquê um individuo tenha alta ou baixa preferência temporal, a conseqüência disso será a mesma. Mantendo as demais “características” constantes, o individuo com baixa preferência tenderá a ser mais rico que o de alta. Além disso, dizer que um pobre que ganha pouco não poupa porque tem que satisfazer suas “necessidades básicas” ou não tem cultura, valores adequados (que incentivem a poupança) é só uma maneira confusa de dizer que não poupa porque tem alta preferência temporal. Se comprar determinado bem hoje, agora é tão valorado pelo agente a ponto de você chamar de “necessidades básicas” em detrimento da poupança, o que você está dizendo é que ele tem uma “altíssima preferência temporal”. O mesmo para a “cultura” (ele dá um valor maior ao consumo presente do que ao consumo futuro porque a sua cultura "defende" isso).

Do ponto de vista estrito da teoria econômica, pouco importa de onde vem a preferência de um individuo por lasanha em relação a peixe, sorvete de creme em relação ao de morango ou consumo presente em relação a consumo futuro [itálico meu]. A relação causal apontada por Hoppe é correta (baixa preferência temporal favorece o enriquecimento e alta preferência temporal “joga contra”). Não há erro na teoria (também não há erro em dizer que riqueza pode "levar à preferência temporal mais baixa").

Como está claro, assinamos em baixo este ponto.

O segundo, todavia, é exatamente o que pretendi questionar no meu artigo, e antes de tecer considerações adicionais reproduzo as palavras do Richard onde ele procura sustentar que eu cometo uma “inversão moral”:


No entanto, moralmente, a inversão, como foi defendida, é um erro bastante grave. Eu poderia falar mais dessa “moralidade” por trás da inversão colocada pelo Lucas, mas acho que o texto que deixei linkado retrata um pouco o que penso. Essa inversão, "a soberania do meio sobre o indivíduo", nega a razão, nega o ser humano, a sua consciência. Em suma, nega a mente humana. Seres humanos não escolhem, não possuem aquilo que antigamente era chamado de “livre arbítrio”. Eles simplesmente reagem ao meio, são produtos do meio. Eles não raciocinam, não analisam, não avaliam o que “recebem do meio”, simplesmente reagem sem consciência, sem uma escolha deliberada e racional. É isso que está por trás do pensamento daqueles que dizem que “virou bandido porque não teve escolha, vivia no meio da violência” (que é do fala o texto linkado), e é exatamente isso que está por trás da inversão levantada pelo Lucas. Poupar ou não deixa de ser uma escolha deliberada, racional. Passa a ser uma “reação ao meio”, uma imposição do meio que não “deixa escolha”.

Em essência, Richard diz que meu argumento atribui “a soberania do meio sobre o indivíduo” e que esta “inversão moral” implica na negação da razão humana, do ser humano e de sua consciência. Em suma, o meu argumento, nas palavras do Richard, “nega a mente humana”. Disso resulta que o meio define o indivíduo no sentido de ser capaz de abolir a sua capacidade de julgamento e razão e, portanto, define a formação de sua preferência temporal. Este argumento é notoriamente influenciado pela novelista Ayn Rand, criadora da filosofia ética objetivista. No entanto, julgo que estas afirmações do Richard sobre esta minha “inversão moral” são apenas de caráter retórico, conforme procurarei demonstrar.

III

Hoppe parece assumir uma tese que absolutiza a seguinte questão: os pobres são pobres, porque tem alta preferência temporal. E é esta alta taxa de preferência temporal que determina a sua condição de pobreza e destituição. No entanto, mesmo Richard não reconhece isto, pois assume (e estou de acordo) que “do ponto de vista estrito da teoria econômica, pouco importa de onde vem a preferência de um indivíduo por consumo presente em relação a consumo futuro”. Eu, porém, procurei justamente inquirir em que medida a pobreza e a destituição material e familiar em que uma pessoa nasce acaba por influenciar na formação da sua preferência temporal?

A noção, por enquanto intuitiva, é que situações de pobreza e destituição em que determinada pessoa nasce tem potencial de influenciar a formação da sua consciência em relação à vida, porém não no sentido de que há um caráter absoluto de supor uma “soberania do meio” como alude com rigor o Richard. Assim sendo, penso que talvez a praxeologia não possa nos auxiliar na descoberta de quem veio primeiro: a alta taxa de preferência temporal ou a pobreza?

O notável economista Alfredo Marcolin Peringer, porém, me alerta que o meio gera “incentivos praxeológicos” no indivíduo, portanto, concluo, somos levados a aceitar a idéia de que o meio gera incentivos na formação da preferência temporal dos indivíduos. Aqui parece residir uma afirmação, fundamenta da praxeologia, de que a pobreza pode influenciar, ou seja, causar a alta preferência temporal. Todavia, confesso que para mim não está claro esta justificação praxeológica, pois se estiver, talvez o erro do Hoppe seja ainda mais grave.

Richard, como bom randiano, por seu lado, enfatiza que os homens são racionais, que são autônomos, e não são escravos das contingências da vida, da cultura etc. e que, portanto, podem superar através da razão, as forças contingenciais do meio. Isto é certo, todavia, não acho que seja uma verdade absoluta, no sentido de que o meio JAMAIS influencia a formação da razão e de julgamentos de valores de uma pessoa. Esta é a minha contenda em relação ao Hoppe. Estou levantando uma questão cuja solução talvez exija ultrapassar os limites da praxeologia e adentrar, possivelmente, no âmbito da psicologia social e da antropologia. Acho que estas disciplinas podem nos auxiliar a solucionar este dilema, se é que a praxeologia mesmo não possa solucionar, mas se pode, note-se, nem o Hoppe nem o Richard nos mostraram.

Se concordamos que estamos diante de um dilema de saber quem veio primeiro, só resta reforçar o argumento de que Hoppe não pode afirmar que a alta taxa de preferência temporal seja em si a causa comum da pobreza sem considerar que a pobreza também pode influenciar a preferência temporal. Por isto sugiro que parece ser necessário reivindicar o auxílio de outros meios de investigação ou mesmo argumentos praxeológicos, porém, até então não apresentados.



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